Há algum tempo, estamos acompanhando as interferências e os impactos que a internet é capaz de causar no meio jurídico. Vazamentos de conteúdos privados e, até mesmo, provas geradas nas redes sociais são capazes de alterar a condução de processos: são as chamadas provas digitais.
Além disso, o próprio comportamento do advogado em seus perfis também pode pesar a favor ou contra a sua vida profissional. É preciso atentar aos horários em que o atendimento é oferecido e ao teor da conversa, tendo em vista que tudo está sendo devidamente registrado.
Pensando em todas essas questões que a nova realidade virtual nos trouxe, elaboramos este texto com as principais aplicações das redes sociais no dia a dia do profissional de Direito. Acompanhe a leitura para saber como agir da melhor forma e quais são os impactos que essas mídias podem ter em seu trabalho.
Impactos no deferimento ou não da justiça gratuita
É de conhecimento geral que as pessoas têm o hábito de postar o seu dia a dia nas redes sociais — muitas vezes, sem muito pudor e com riqueza de detalhes.
Mas é preciso cautela nessas postagens, não somente quando o indivíduo está participando de um processo judicial, mas sempre. Afinal, as provas digitais ficam registradas e podem ser coletadas para consultas e apresentações futuras.
Em palavras mais simples, isso significa que a outra parte pode sempre se utilizar daquilo que foi postado, contestando o que está sendo afirmado por você ou pelo seu cliente. Ainda que essas provas digitais sejam apagadas, elas foram registradas em algum momento e têm grande valor.
Na solicitação da justiça gratuita, por exemplo, os registros de que o solicitante tem condições de arcar com os honorários de sucumbência pode causar a impugnação do seu pedido. Tais comprovações podem vir do próprio dia a dia da pessoa, que posta as suas viagens, presenças em restaurantes e eventos e qualquer outro tipo de ostentação que mostre a sua condição financeira favorável.
Dessa forma, o papel do Advogado ultrapassou a simples análise dos documentos apresentados pelo cliente, contemplando igualmente uma avaliação da "vida digital" dele, sob pena de ser surpreendido no processo.
Impactos na valoração da pensão alimentícia
Outro exemplo bastante corriqueiro e que pode trazer uma repercussão indesejada é relacionado ao pagamento da pensão alimentícia. Trata-se de um tema que, geralmente, causa transtornos e muito vai e vem nos processos judiciais.
A discussão do valor da pensão sempre considera o binômio possibilidade x necessidade, razão pela qual não basta alegar insuficiência de recurso ou a necessidade de elevar o valor da pensão, uma vez deve ser evidenciada a realidade financeira a fundamentar o pedido.
A fim de averiguar a realidade, existe atualmente um movimento baseado na "teoria da aparência", pelo qual destaca o papel do julgador em considerar outros meios que evidenciem a realidade das partes. Nesse sentido, por meio das postagens nas redes sociais, é possível perceber que uma das partes, por exemplo, ganha mais do que está declarando, por meio de sinais externos de riqueza, seja por meio dos locais que frequenta e, até mesmo, do que come, bebe, e as roupas que veste.
A partir dessas provas digitais, muitos pedidos já foram revistos no judiciário, evidenciando o papel fundamental do Advogado em ter acesso previamente a tais evidências a fim de evitar surpresas.
Consideração pelo juiz da ciência inequívoca do prazo
Não são apenas os clientes que devem ficar atentos àquilo que postam em suas redes sociais. Os advogados também devem ter atenção com o que postam e a forma como se comunicam, a fim de não gerarem provas contra si mesmos.
Um exemplo recente de como a justiça está atenta ao universo digital aconteceu em fevereiro de 2020, quando o juiz de um processo da Vara Cível determinou ao cartório que certifique o trânsito em julgado de um caso no qual o prazo recursal teria sido inaugurado devido a uma postagem do advogado no Facebook.
Segundo o juiz, um vídeo publicado pelos advogados manifestando aos associados a sua irresignação com a decisão demonstraria que esses profissionais acessaram os autos e tomaram ciência do conteúdo decisório antes de sua intimação, evidenciando ciência inequívoca, o que motivaria o início do prazo.
Casos como estes não são comuns, mas evidenciam a importância do cuidado no manejo das redes sociais e publicidade digital.
Impactos sobre a narrativa dos fatos
Durante um processo judicial, os fatos são narrados em favor do seu cliente, obviamente. Mas as redes sociais podem acabar tendo um papel tão ou mais determinante do que o do próprio advogado, apresentando na audiência os fatos de forma diferente da narrativa inicial.
Provas como o local onde o indivíduo estava, com quem e a que horas, por exemplo, não são apenas comuns nos filmes e séries da TV. Esses são apenas os exemplos mais clichês e hollywoodianos, mas, atualmente, existem muitos posts das redes sociais que contestam afirmações dadas como verídicas e que são, até mesmo, capazes de alterar a decisão do juiz e do juri.
Por esse motivo, é fundamental que o advogado e o seu cliente estejam alinhados em relação a essas provas que podem refutar os seus argumentos. Sem esse conhecimento prévio por parte do profissional, é possível que surjam surpresas no processo, e que o seu trabalho seja penalizado.
Repercussões no contrato de honorários
Outro hábito bastante comum da sociedade atual é o constante uso dos aplicativos de conversas instantâneas: a grande maioria das pessoas não tem uma "etiqueta de horários" para enviar as suas mensagens, tal como acontece com as ligações telefônicas por exemplo.
Nesse contexto, surge a dúvida para o advogado: como proceder, tento em vista que o seu cliente exige o seu posicionamento? A melhor postura, então, seria esclarecer desde a assinatura do contrato os limites, considerando, por exemplo, que quaisquer contatos serão considerados como consultas, independentemente do veículo de comunicação: telefone, e-mail, aplicativos ou redes sociais.
Isso porque, certamente, o tempo dedicado do profissional, nesses casos, não se resume apenas à conversa, mas sim a todo um trabalho de pesquisa realizado para responder da forma mais acertada possível — o que, certamente, vai consumir valiosos minutos.
Lembre-se ainda, como já destacamos no início deste artigo, que é fundamental ter cuidado com tudo aquilo que você, profissional, escreve, posta ou envia, pois todos esses arquivos estarão registrados.
Por fim, saiba que é possível utilizar as redes sociais ao seu favor, divulgando a sua autoridade em determinado assunto. Dessa forma, é possível expandir o seu universo de clientes. Atente apenas aos limites do marketing na advocacia, a fim de agir dentro das normas que regem essa comunicação.
As redes sociais fazem parte do dia a dia das pessoas e, naturalmente, da realidade da Justiça. Sabendo utilizá-las ao seu favor e contando com o devido preparo, é possível obter vantagens em seus processos e aumentar a sua credibilidade.
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