CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TRIBUNAIS ARBITRAIS QUE PROFEREM DECISÕES EXCLUDENTES ENTRE SI. 1. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA CONHECER DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE TRIBUNAIS ARBITRAIS. QUESTÃO INÉDITA, SOBRETUDO APÓS LEADING CASE CC 111.230/DF. 2. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO. 3. PROCEDIMENTOS ARBITRAIS PROMOVIDOS POR ACIONISTAS MINORITÁRIOS, DESTINADO A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS CONTROLADORES, COM BASE NO
ART. 246 DA
LEI N. 6.404/1976, EM LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA (AÇÃO SOCIAL DE RESPONSABILIDADE DOS CONTROLADORES UT SINGILI), A DESPEITO DE A COMPANHIA TER, ANTERIORMENTE, CONVOCADO ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA PARA DELIBERAR SOBRE AS AÇÕES DE
...« (+1483 PALAVRAS) »
...RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL CONTRA CONTROLADORES E ADMINISTRADORES, COM ADOÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES PARA GARANTIR A HIGIDEZ DA VOTAÇÃO, SEM A PARTICIPAÇÃO DOS CONTROLADORES. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO PARA O LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AGIR DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS. VERIFICAÇÃO. POSTERIOR PROCEDIMENTO ARBITRAL PROMOVIDO PELA PRÓPRIA COMPANHIA, EM LEGITIMIDADE ORDINÁRIA, NOS TERMOS DA AUTORIZAÇÃO ASSEMBLEAR (AÇÃO SOCIAL DE RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES, EX-ADMINISTRADORES E CONTROLADORES - UT UNIVERSI). PROLAÇÃO DE DECISÕES INCONCILIÁVEIS ENTRE SI. VERIFICAÇÃO. 4. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O TRIBUNAL ARBITRAL DO PROCEDIMENTO ARBITRAL INSTAURADO PELA COMPANHIA LESADA.1. Competência do STJ para dirimir conflito de competência entre Tribunais arbitrais. Compete ao Superior Tribunal de Justiça, em atenção à função constitucional que lhe é atribuída no art. 105, I, d, da Carta Magna, conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido entre Tribunais Arbitrais, que ostentam natureza jurisdicional, ainda que vinculados à mesma Câmara de Arbitragem, sobretudo se a solução interna para o impasse criado não é objeto de disciplina regulamentar.
1.1 Estabelecida a natureza jurisdicional da arbitragem, tem-se que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, a partir do leading case - CC 111.230/DF - passou a reconhecer que o Tribunal arbitral se insere, indiscutivelmente, na expressão "quaisquer tribunais", constante no art. 105, I, d, da Constituição Federal. Segundo a compreensão adotada pela Segunda Seção, a redação constitucional não pressupõe que o conflito de competência perante o STJ dê-se apenas entre órgãos judicantes pertencentes necessariamente ao Poder Judiciário, podendo ser integrado também por Tribunal arbitral.
1.2 Não há como se admitir a subsistência de deliberações jurisdicionais exaradas por Tribunais arbitrais que se excluam mutuamente, como se houvesse um vácuo no ordenamento jurídico, negando-se às partes a definição do órgão (arbitral) efetivamente competente para resolver a causa posta em julgamento, conferindo-lhes instrumento processual eficaz a esse propósito, em manifesto agravamento da insegurança jurídica.2. Configuração do Conflito de Competência.
2.1 Na hipótese, tem-se, de um lado, procedimentos arbitrais (CAM 93-110) promovidos por acionistas minoritários (ação social de responsabilidade de controladores ut singili), em legitimação extraordinária, a despeito das providências anteriormente levadas a efeito pela titular do direito lesado que é a companhia, em especial a convocação de assembleia geral para deliberar justamente sobre as medidas judiciais/arbitrais de responsabilização civil contra os controladores, administradores e ex-administradores, em conjunto, pelos fatos ilícitos reconhecidos nos acordos estabelecidos com o Ministério Público. De outro vértice, apresenta-se o procedimento arbitral instaurado pela própria companhia (ação social de responsabilidade de administradores e controladores ut universi) - CAM 186/2021 -, em legitimação ordinária, pelos mesmos fatos, promovido tempestivamente (dentro dos três meses da deliberação assemblear) e nos exatos termos em que se deu a deliberação (inclusive sem a participação dos controladores) com a escolha, em comum acordo com a parte adversa, dos árbitros integrantes do painel arbitral.
2.2 O Tribunal Arbitral do Procedimento Arbitral CAM 186-21, de modo expresso, reconheceu a prevalência dos efeitos da coisa julgada da sentença arbitral que vier a ser ali proferida a respeito da responsabilidade civil dos controladores, administradores e ex-administradores, com esteio nos art. 159 e 246 da Lei n. 6.404/1976 pelos danos advindos dos ilícitos indicados nos acordos de delação premiada e de leniência estabelecidos com o Ministério Público Federal, sobrepondo-se, inclusive, ao que vier a ser decidido, caso não venham a ser extintos, nos Procedimentos Arbitrais ns. 93-110, os quais, indiscutivelmente, cuidam da responsabilização pelos mesmos fatos (ilícitos confessados em tais acordos). Reconheceu o Tribunal Arbitral do Procedimento Arbitral CAM 186-21, inclusive, o esvaziamento da legitimidade extraordinária exercida pelos acionistas minoritários pelo ajuizamento da ação pela própria companhia, sobretudo porque não houve inércia da legitimada ordinária e porque seria indispensável a autorização assemblear, pressuposto não observado pelos acionistas minoritários.
2.3. Por sua vez, o Tribunal arbitral dos Procedimentos arbitrais CAM 93-110, contrariamente, decidiu que o feito ali em tramitação não deixaria de subsistir pelo ajuizamento posterior da ação de responsabilidade pela companhia, produzindo efeitos da coisa julgada às partes, inclusive à companhia, substituída processual.
Compreendeu que a ação de responsabilidade dos controladores, com esteio no art. 246 da Lei n. 6.404/1976, promovida pelos acionistas minoritários, não pressupõe autorização assemblear, tampouco a constatação de inércia por parte da companhia, que é a titular do direito.
2.4 Do cotejo das decisões proferidas pelos Tribunais arbitrais suscitados é de reconhecer, inequivocamente, a prolação de deliberações diametralmente opostas e inconciliáveis entre si, a caracterizar conflito de competência, a ser dirimido, como visto, no tópico antecedente, por esta Corte de Justiça.3. Solução do Conflito.
3.1 Em regra, a ação de reparação de danos causados ao patrimônio social por atos dos administradores, assim como dos controladores, deverá ser proposta, em princípio, pela companhia diretamente lesada, que é, naturalmente, a titular do direito material em questão. A chamada ação social de responsabilidade civil dos administradores e/ou dos controladores, deve ser promovida, prioritariamente, pela própria companhia lesada (ação social ut universi). Em caso de inércia da companhia (a ser bem especificada em cada caso), a lei confere, subsidiariamente, aos acionistas, na forma ali discriminada, legitimidade extraordinária para promover a ação social em comento (ação social de responsabilidade ut singuli).
3.2 A deliberação da companhia para promover ação social de responsabilidade do administrador e/ou do controlador dá-se, indiscutivelmente, por meio da realização de assembleia geral. A caracterização da inércia da companhia depende, pois, da deliberação autorizativa e, passados os três meses subsequentes, a titular do direito não ter promovido a medida judicial/artibral cabível; ou, mesmo da deliberação negativa, termos a partir dos quais é possível cogitar na abertura da via da ação social ut singuli.
3.3 Argumentação expendida pelos interessados que coloca em descrédito, sobretudo em razão da possível ingerência dos controladores no exercício do seu poder de voto, a iniciativa da companhia para convocar a assembleia para deliberar sobre a responsabilização destes, e, uma vez convocada, a própria deliberação autorizativa. A preocupação externada mostra-se meramente retórica, pois, no caso, por iniciativa de acionista minoritário detentor de mais de 5% do capital social, cuja representatividade é qualificada pela lei de regência, não apenas provocou a convocação da assembleia geral, como a votação foi favorável à responsabilização dos controladores e dos administradores por meio de ação a ser promovida pela companhia, o que se efetivou no prazo legal.
3.3.1 A despeito da insubsistência do argumento, é certo que a Lei 6.404/1976 confere aos acionistas minoritários, na forma ali discriminada, entre outras garantias destinadas justamente a fiscalizar a gestão de negócios e o controle exercido, o direito de promover a convocação da assembleia geral, sobretudo para os casos que guardam manifesta gravidade, como o é o tratado nos presentes autos. Quanto ao suposto risco de os controladores interferirem na própria deliberação assembelar - no caso dos autos, absolutamente neutralizado pelas medidas levadas a efeito pelo acionista minoritário BNDES -, a lei põe à disposição dos acionistas minoritários, na forma da lei, a possibilidade de ajuizar ação social (subsidiariamente).4. Mostra-se imperiosa a adoção de interpretação consentânea com os arts. 159 e 246 da LSA, tal como já se posicionou esta Corte de Justiça (REsp 1.214.497/RJ e Resp 1.207.956/RJ), com um pequeno ajuste.
4.1 Em sendo a deliberação autorizativa, caso a companhia não promova a ação social de responsabilidade de administradores e/ou de controladores nos três meses subsequentes, qualquer acionista poderá promover a ação social ut singili (ut § 3º do art. 159).
4.2 Se a assembleia deliberar por não promover a ação social, seja de responsabilidade de administrador, seja de responsabilidade de controlador, acionistas que representem pelo menos 5% (cinco por cento) do capital social poderão promover a ação social ut singili, com fulcro no § 4º do art. 159 e no art. 246 da LSA.
4.3 Tem-se, todavia, que, nessa última hipótese, no caso de a assembleia deliberar por não promover ação social, em se tratando de responsabilidade do controlador, seria dado também a qualquer acionista, com base no § 1º, a, do art. 246, promover a ação social ut singili, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente.
4.4 Em todo e qualquer caso, portanto, a ação social de responsabilidade de administrador e/ou de controlador promovida por acionista minoritário (ut singili) em legitimação extraordinária, por ser subsidiária, depende, necessariamente, da inércia da companhia, titular do direito lesado, que possui legitimidade ordinária e prioritária no ajuizamento de ação social.5. Na hipótese dos autos, sem incorrer em nenhum comportamento inerte, é fato incontroverso que a Companhia, assim que obteve autorização assemblear (AGE/2020), promoveu, de imediato (dentro dos três meses da deliberação autorizativa) e nos exatos termos ali estabelecidos e em conformidade com o Comitê independente ad hoc formado, o procedimento arbitral destinado a apurar, pelos mesmos e específicos fatos, a responsabilidade não só dos controladores, como também dos administradores e ex-administradores. Ressai claro, portanto, que os acionistas minoritários, aqui interessados, ao promoverem os procedimentos arbitrais 93-110 (ação social ut singili) antes do exaurimento do prazo legal para que a companhia, titular do direito em questão, promovesse ação social de responsabilidade dos administradores e controladores, não ostentavam, para tanto, legitimidade.
6. A eficácia subjetiva da vindoura sentença arbitral legitima-se justamente na confiança depositada pelas partes, não apenas na Câmara de arbitragem eleita para dirimir seu litígio, mas, principalmente, nos específicos e determinados árbitros escolhidos em comum acordo para o julgamento da causa posta.
7. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Tribunal Arbitral do Procedimento Arbitral CAM 186/2021.
(STJ, CC n. 185.705/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 22/6/2022, DJe de 30/6/2022.)